sexta-feira, 29 de julho de 2011

Futuros amantes

      
Futuros amantes - Pablo Picasso

















Futuros amantes
Olhos cegos  do olhar
cheiro da pele desconhecido
gosto da boca fora do paladar
ignorantes do desejo
nada sabem sobre sua química
Não tiveram seus destinos cruzados
na padaria, no mercado
na fila do banco ou na esquina.
Ainda nem nasceram.
mas, o parto está marcado:
na roda de samba,
os futuros amantes
vão se tocar!
Na batida da percussão
o coração vai sambar,
E o futuro?
Ah... o futuro deixará pros amantes
o presente:
coração quente,
corpo em erupção,
taça de vinho,
o arrepio na pele,
o tesão,
o encanto do beijo,
a sofreguidão delirante,
o orgasmo inebriante
e a certeza
de que o presente termina hoje.
Amanhã, o futuro nos espera!




Futuros amantes - Chico Buarque

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Substan... Vivo!


Olhar
vontade
Mensagem
Encontro
Conversa
Chopp
Toque
Noite
Beijo
Carícia
Saudade.

Beijo... Flor!




Esse silêncio que não tem graça...
Descobri! é culpa do beija-flor.
Levou pra você minhas palavras,
mas, deixou a esperança, a magia
e uma flor...
beijada.

Tempos modernos



O fim do fim de semana
salvou José pelo serviço
devolveu seu crachá
sua função no mundo sagrado
Enfim, seu compromisso...

Agora, denovo encarregado
Pode se ocupar com a lida
manter o seu horário.
Porque... gastar tempo com a vida?
Nossa... dá muito trabalho!

Papel em branco!




O papel deu branco
A pena não escreveu
Uma pena!... desencanto
cada palavra que não viveu!

domingo, 17 de julho de 2011

Desejo de Mulher


















Preciso de um homem
              que tenha defeito
e se permita viver
              sem ter de ser perfeito.
                                 
                                 Sem precisar pedir desculpas por SER...

Preciso de um homem
             que transgrida minha lei,
me tire do comando
             e me mostre o que ainda não sei.

                           
                                    Sem precisar ser autoritário...

Preciso de um homem
             que por ser quem é
suspenda a minha respiração
             e coloque em xeque minhas certezas.

                                  Sem precisar tirar o meu chão...

Preciso de um homem
             sensível e selvagem
gentil e decidido
             que faça amor e sacanagem.

                                  Sem precisar de libertinagem.

Preciso de um homem
              que movimente a relação,
que tenha vontade própria
               e me diga não!

                                  Sem precisar desconsiderar minha opinião.

Preciso de um homem humano
              com seu conflito, sua alegria, seu tesão
Que vai me encantar em seu descaminho
              e me encaminhar em sua direção.

                                   Sem que precise me perder na razão.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Poema sem poesia














Minha maior tristeza
não é a saudade da minha filha
nem a certeza
de que tudo é passageiro...

Minha maior tristeza
não é o salário
desvalorizado
em meio as dívidas...

Minha maior tristeza
não é esse amor que nunca cicatriza
e sangra e sofre
e agoniza...

Minha maior tristeza
não é o meu aluno
violentado, negligenciado
maltratado, órfão de pais vivos...

Minha maior tristeza
é agora
quando as palavras fogem do papel em branco
eu escrevo, e apago.
Penso em um assunto, e ele se mostra outro...

Minha maior tristeza é a falta de inspiração.

É o momento em que não sou salva
da saudade
da dívida
do amor platônico
da comiseração humana.

Sem a poesia,
tenho que viver na minha casa
vestir as minhas roupas
atender pelo nome que me foi dado
sentir as minhas dores diárias
e conviver com a minha condição humana.

Só me liberto, quando sou reescrita pela poesia!

domingo, 3 de julho de 2011

Espelhos d'água


Qual o símbolo gráfico de um suspiro? Não sei. Não há. Pergunto na esperança de registrar os suspiros dele pra mim. Uma noite inteira de olhares desejosos de aproximação. Despertou-se a curiosidade em saber  do conteúdo daquele imã que atraía nosso calor, nossa vontade de ficar perto, nosso carinho. Qualquer instante a sós e a oportunidade de se beber intensificava a sede. Negação. Mentiu-se o desejo para evitar a necessidade.

A cena de amor que se desenhava, aconteceu em um buteco deliciosamente ornado de cerveja gelada, servindo conversa boa. Mesa rodeada de amigos apaixonados pela arte. Papo compartilhado por gente interessada na vida e em gente. Um violão sambava Cartola e as notas vinham pra mim. Meu espelho brilhava de contentamento. Felicidade é poder ter amigos de botequim. Eu os tinha naquele momento. Com exceção de João.

João não olhava os meus espelhos. Gesticulava, conversava com todos os amigos à mesa, fixava o olhar na minha boca. Mas, dos meus olhos fugia feito menino andando de bicicleta na contra-mão. João era professor - um comunicador nato, apaixonado pelas palavras. Pintava palavras no papel. Formava arco-íris com cores jamais vistas. Transformava uma vogal em sol. Depois cantarolava os sóis no jardim alheio. E todos floresciam.

Naquele dia ele não me olhava, mas ao me ver suspirava. Eu li. O suspiro escrevia: - Te quero! E eu lia. Um querer cheio de desejo que desligava o mundo pra acender o coração. Eu ria. Ria de sua adolescência despertada e de sua falta de jeito. Eu ria e derretia. Um a um, os amigos saíram de cena. Eu fiquei com meus espelhos d'água acenando pra você, jorrando rimas perfumadas. A partir daí, ficamos a sós para sair da solidão.

João não me olhou. Num abraço, juntou seu corpo ao meu tornando desnecessária qualquer declamação poética. Naquele momento, João se fez poema na minha boca e me fez fechar os olhos.